A recente aprovação do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) das Porfirias, oficializada pela Portaria Conjunta SAES/SECTICS Nº 21, de 01 de setembro de 2025 [1], representa um marco significativo para a comunidade médica e, especialmente, para os pacientes com essas doenças raras no Brasil. A existência de políticas públicas como os PCDTs é fundamental para padronizar o diagnóstico, tratamento e acompanhamento, garantindo acesso equitativo e qualificado à saúde.
As porfirias são um grupo de doenças metabólicas raras, muitas vezes genéticas, que podem apresentar manifestações neuroviscerais e cutâneas graves, com alto potencial de morbidade e mortalidade se não forem adequadamente manejadas. A inclusão de um PCDT específico para porfirias no Sistema Único de Saúde (SUS) é, sem dúvida, um avanço que merece ser celebrado, pois direciona a atenção e os recursos para uma população que historicamente enfrenta grandes dificuldades no acesso a cuidados especializados.
No entanto, uma análise mais aprofundada do documento revela algumas lacunas importantes que precisam ser endereçadas em futuras revisões para que o protocolo atinja seu potencial máximo na melhoria da vida dos pacientes. Entre as principais deficiências, destacam-se:
• Ausência de Teste de Triagem com PBG: O PCDT não aborda a implementação de testes de triagem com porfobilinogênio (PBG) para a detecção precoce das porfirias agudas. A triagem é crucial para um diagnóstico rápido, especialmente em pacientes com sintomas inespecíficos, evitando atrasos que podem ser fatais.
• Implementação do Exame de PBG quantitativo no SUS: Embora o diagnóstico bioquímico seja mencionado, o protocolo falha em detalhar como e quando o exame de PBG quantitativo, essencial para a confirmação das porfirias agudas, será efetivamente implementado e disponibilizado de forma rotineira na rede pública. A falta de clareza sobre a operacionalização pode dificultar o acesso e a agilidade diagnóstica.
• Diagnóstico Bioquímico das Porfirias Cutâneas: O PCDT apresenta uma lacuna na clareza sobre o diagnóstico bioquímico das porfirias cutâneas. Exames fundamentais como as porfirinas plasmáticas e as coproporfirinas fecais, que são cruciais para a diferenciação e confirmação dos subtipos de porfirias cutâneas, não são explicitamente detalhados ou sua inclusão no SUS não é claramente estabelecida. Essa omissão pode levar a dificuldades no diagnóstico preciso e, consequentemente, no manejo adequado desses pacientes.
• Abordagem Limitada do Tratamento: O documento parece focar predominantemente na abordagem com glicose como tratamento para crises agudas [2]. Embora a glicose seja parte do manejo inicial, tratamentos mais específicos e eficazes, como a hemina, são cruciais para o controle das crises e prevenção de danos a longo prazo. A omissão ou subvalorização de outras opções terapêuticas pode limitar as escolhas clínicas e impactar negativamente os desfechos dos pacientes.
• Falta de Exames Genéticos: A natureza genética de muitas porfirias torna os exames genéticos ferramentas indispensáveis para o diagnóstico definitivo, aconselhamento genético familiar e, em alguns casos, para guiar terapias específicas. O PCDT não incorpora a realização de exames genéticos como parte integrante do processo diagnóstico e de acompanhamento, o que representa uma falha na abordagem personalizada dessas condições.
É imperativo que este PCDT seja visto como um primeiro passo e não como a palavra final. A comunidade médica, as associações de pacientes e os gestores de saúde devem trabalhar em conjunto para que essas deficiências sejam corrigidas. A atualização contínua dos protocolos, baseada nas melhores evidências científicas e na experiência clínica, é essencial para garantir que as políticas públicas para doenças raras, como as porfirias, realmente transformem a realidade dos pacientes no Brasil.
Referências
[1] PORTARIA CONJUNTA SAES/SECTICS Nº 21, DE 01 DE SETEMBRO DE 2025. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/protocolos/pcdt-porfirias [2] Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas das Porfirias. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/protocolos/pcdt-porfirias/@@download/file/pcdt-porfirias.pdf
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